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Coletivo DiCampana

  • Por: Isabela Alves
  • 26 de jul. de 2017
  • 6 min de leitura

"Fotografar é complexo. Por isso estou te falando: tem que sentar o dedo na câmera sem dó, ir para a rua, estudar, enxergar e já era."

Fotografia: Em grego 'fós' significa luz e 'grafê' significa escrever, desenhar. Literalmente é alguém que desenha o mundo com luz e sombras e com um clique na câmera, um momento é eternizado. Inspirado na pintura, desde a época do Renascimento (século XVI), os artistas procuravam registrar o real. A fotografia permite enxergar e explorar o mundo com uma nova linguagem.

Criado junto a outros quatro colegas em novembro de 2016, o coletivo DiCampana, tem o objetivo de quebrar estereótipos da periferia por meio de imagens. Todos os integrantes do coletivo são moradores da periferia, de diferentes regiões, e já fotografavam as redondezas e iniciativas artísticas locais de forma independente.

A equipe do Culturistando entrevistou José Cícero da Silva, que além de trabalhar no DiCampana, também é jornalista independente, fotógrafo e videomaker da Pública:

- Qual é o seu conselho para quem pretende trabalhar com fotografia, mas ligado aos projetos sociais?

Acho que se a pessoa quer fazer e já está preocupado em trabalhar nessa temática de fotografia sociocultural, já é um interesse legal. Não que as outras sejam ruins, pode se fotografar moda, ser paparazzi, editoriais ou sei lá, mas ter o interesse já é uma coisa bem legal.

É preciso entender os critérios nesse nível de interesse, porque as vezes o cara precisa de contatos, ele gosta de ter uma relação com os movimentos, o que está acontecendo, com as pessoas, então deve estar atento ao que está rolando. Ler bastante notícias e material que está saindo sobre o meio atual que você quer atuar.

Sempre que tiver oportunidade sair e fotografar, sempre pensando na perspectiva que você está aprendendo quando você está saindo. Testar câmera, testar equipamento, testar luz, velocidade, e isso fatalmente vai te dar uma narrativa de aprendizagem legal.

Olhar e pesquisar fotos. Hoje nós temos plataformas muito legais pra pesquisar, porque antigamente pra fazer isso você precisava ir na biblioteca e hoje em dia a gente tem fotos no Instagram, então é preciso estar em contato com a fotografia a todo o momento.

Dizem que pra você aprender a fotografar você precisa aprender a tocar piano, demora dez anos e tem que ir treinando todos os dias. Ir olhando, observando, aguçando o olhar. Tem uma coisa na fotografia que se chama Olhar Fotográfico, o equipamento é a última coisa da hierarquia que importa, porque se você consegue desenvolver isso, você fotografa muito melhor a imagem.

O Olhar Fotográfico é você enxergar a fotografia independente do equipamento. Então você olha para uma situação, enquadramento... Você olha pra uma cena, você vê a fotografia e você só consegue desenvolver isso a partir do momento que você cai de cabeça na fotografia.

(Jardim Silvio Sampaio - Taboão da Serra, 2014)

- Quanto tempo você demorou para aprender a tirar boas fotografias?

Eu nem sei se faço isso ainda, as vezes, fotografia começa como um hobbie e você vai estudando, aprendendo e se informando... Hoje em dia na internet tem muitos vídeos de tutorial e depende do processo de cada pessoa, mas acho que se você se dedicar real demora uns três anos.

Não dá pra dizer, porque de fato é um aprendizado diário. A cada dia aprendendo um pouquinho, o conjunto dessa aprendizagem que vai ser o resultado final do seu trabalho.

Essa semana eu vi um documentário do Platoon, fotógrafo fudidásso, que fez o retrato do Barack Obama e até grandes ditadores.

Tem gente que se interessa mais por retrato, por paisagens, por fotos de rua, por natureza, questão humanistas... Tem o Mauricio Lima que foi o primeiro brasileiro a ganhar o prêmio Pulitzer em 2015. Isso é muito, um puta prêmio e o cara brasileiro fotografando as grandes migrações.

Então vai depender muito do seu interesse, intensidade que você tem com a coisa. Tem gente que é gênio, tem cara que pega uma câmera, que fica um mês com ela e já tira fotos incríveis. O Sebastião Salgado por exemplo, era um ótimo economista e um ótimo fotógrafo, a forma como ele interpreta e enxerga as coisas vai sempre estar ali. O cara viaja, fica cinco anos fora praticamente, esquece mulher, filho e esquece tudo. Não é todo mundo que está preparado para isso, que quer viver anos longe. Fotografar é complexo, são muitas variantes. Por isso estou te falando: tem que sentar o dedo na câmera sem dó, ir para a rua, estudar, enxergar e já era.

(Consolação, 2016)

- Como vocês fazem a seleção das fotos que vão colocar no Flicker ou na página no Facebook?

Nós fazemos uma procuradoria. Então por exemplo, nós procuramos uma foto por dia. Então normalmente de manhã, cada um manda algo naquele bom e velho grupinho de whatsapp e quem tiver foto pra postar, coloca uma legenda e manda. É uma coisa que a gente faz e depois sobe no Instagram e Facebook.

A gente não tem grana pra desenvolver um site, então a gente tem o Flicker pra usar por enquanto no banco de imagem e ele também tem uma apresentação legal, esteticamente falando, é direto, objetivo... E depois sei lá, podemos pensar no site depois, mas por enquanto é o que temos pra trabalhar.

- A cultura periférica ainda sofre grande falta de recursos. Como vocês sustentam esse projeto? De onde sai a renda?

Basicamente não tem custo pra gente. Nós já fazíamos isso independente da grana, então a gente só se uniu através de uma plataforma, mas quando fomos amadurecendo um pouco mais o projeto, a gente notou que há custos. Vamos fazer uns cartões agora, porque quando vamos fotografar e as pessoas perguntam "vai sair aonde?", aí a gente dá o contato, que é muito mais prático e gera retorno para nós.

Estamos querendo ir fotografar na Zona Leste, então de certa forma a gente está sempre precisando de dinheiro. Por isso a gente pensou na forma de conseguir grana vendendo as imagens pra quem tem condições de pagar e pensar também em projetos audiovisuais por exemplo mais pra frente.

(Ensaio: Época de Pipa)

- Você acredita que na forma que a periferia, a comunidade, os bairros mais carentes são retratados pela mídia afeta na forma como o próprio morador se enxerga?

Sim, sem dúvida alguma. Óbvio, porque isso influencia demais no cotidiano das pessoas, aquela coisa do "bandido bom é bandido morto" bordão dito por Sheherazade e outros âncoras como Marcelo Rezende, Datena, Bacci... É ridículo aquilo, mas está lá. Você vai ligar a televisão as cinco e meia, vai tomar um café no bar e você vai ver, isso reforça o estímulo. Aí quando morre o seu vizinho, a polícia espanca ou mata, e o cidadão fica aplaudindo "Olha aí, estava envolvido com coisa errada, isso é o que dá".

Policial não tem que agredir e não tem que matar as pessoas. Se estou errado na perspectiva da lei, o que se faz? Pegou fazendo alguma coisa, não reage nem nada, primeiro não precisa nem algemar, se você não está oferecendo resistência. É conduzir pra delegacia, ouvir depoimento, chamar advogado. Se eu for condenado, que eu seja encaminhado para uma cadeia digna, onde eu possa receber pessoas, ter direito a defesa, a visita, minha mulher não ser humilhada lá, entre outras coisas. Mas aí não, aplaude... Isso para ali, limita a visão das pessoas.

Então tem uma influencia enorme, é triste de ver isso aí. Por isso também é importante do nosso trabalho dialogar com a grande mídia, porque sai uma foto nossa e o cara já vai ver "Pô tem coisas bonitas na quebrada". É importante o nosso trabalho abrir espaço, a gente quer que esse negócio vaze mesmo para ficar circulando.

Acho que a mídia pode ser perversa, tipo em falar que a mulher que anda de short curto merece cantada e essas coisas, reforça bastante estigmas através de novelas também. Mas se você for parar pra ver, a televisão é democrática até certo ponto, porque você tem um controle na mão, você pode assistir outros canais de uma forma mais interessante, hoje em dia principalmente. Então nem isso as pessoas estão raciocinando, de que eles tem um controle na mão.

- Em relação ao seu trabalho: Qual ensaio fotográfico que você fez, que mais te marcou e tem um significado forte/especial pra você?

Ano passado eu tive a oportunidade de fazer uma reportagem lá em um lugar que se chama São Felix do Xingu, fica no Pará e eu fui em um acampamento sem terra, que é um acampamento que morreram algumas pessoas por conta dos pistoleiros, porque os fazendeiros os contrata e eles ameaçam, batem e até matam as pessoas.

Morreram acho que cinco lideranças até agora, sempre lideranças. A galera estava na fazenda e os fazendeiros compraram esse terra com eles já lá e querem tirar... Chama Divino Pai Eterno o nome do lugar, e eu tive que ficar um tempo de 17 dias lá fotografando e fazendo vídeo também. Fiz umas fotos e como são pessoas ameaçadas, não se pode mostrar o rosto.

Foi um trabalho que me tocou bastante, porque o dinheiro faz as pessoas se tornarem perversas, alias as pessoas já são perversas e o dinheiro só potencializa isso. Então, foi um trabalho que eu me debatia, por conta das histórias das pessoas, da forma como vivem e como se organizam. Então foi um trabalho bem legal, gostei de fazer, puta experiência profissional.

(Jardim Celeste, 2014)

Para conhecer mais do trabalho da equipe do Coletivo DiCampana, acesse o site: https://www.facebook.com/dicampanafotocoletivo/

 
 
 

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