Crítica no Cinema
- Por: Isabela Alves
- 13 de ago. de 2017
- 5 min de leitura

"Sempre trabalhei em uma linha mais reflexiva, procuro entender os mecanismos do filme, o que leva a construção de um determinado tema, a partir dos processo técnicos"
O cinema é arte e tem mais de 100 anos de existência. Através de cada obra é possível entrar em uma cápsula do tempo, encontrar novos universos, sonhos que permeiam na memória, se tornam inesquecíveis e passam a ser parte de nós. Com o cinema, o teatro e a literatura ganharam nova forma, uma nova dimensão e fez com que essa arte se engrandecesse com mais rapidez mundialmente.
A crítica faz uma análise sobre as obras de arte e consegue tornar o olhar do leitor mais reflexivo. Ela vai além do gostar ou não, a crítica estabelece um significado e explica fatores que explicam porque a obra é relevante. Entre suas características, também é um texto mais extenso e sofisticado que procura explorar referencias de outras obras atemporais.
Como já dizia Oscar Wilde no prefácio do livro O Retrato de Dorian Grey, "O crítico é aquele que pode traduzir, de um modo diferente ou por um novo processo, a sua impressão das coisas belas (...) Os que encontram significações feias em coisas belas são corruptos sem ser encantadores, isso é um defeito. Os que encontram belas significações em coisas belas são cultos. Para estes há esperança."
Pensando nisso, a equipe do Culturistando entrevistou o crítico, professor da Universidade São Judas Tadeu e associado a ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) Cesar Zamberlan para falar sobre sua carreira e sua profissão:
- Quando você decidiu seguir essa carreira e como foi o seu início?
Eu tinha 16 anos em 1986, morava em uma cidade no interior e aí uma locadora de vídeo cassete na época estava fazendo uma coluna no jornal de Mairiporã e precisavam de alguém que assistisse um filme e escrevesse uma crítica, e assim que eu comecei, Na época do vídeo cassete, do VHS, a gente tinha muita possibilidade de assistir filme, então eu comecei a ver muitos e comecei a me apaixonar.
Então o jornalismo e o cinema surgiram juntos na minha vida quando eu descobri o cinema e os jornais, então com 17 eu fui fazer a faculdade de jornalismo e na faculdade eu comecei a frequentar mais os cinemas na Paulista do que a própria faculdade e estudei cinema paralelamente ao jornalismo por conta própria.
- Quais são os critérios para avaliar uma obra cinematográfica?
Quando se faz uma crítica, você precisa ver para quem você está escrevendo, qual é o seu intuito. Tem muita crítica que é voltada para o consumo, ou seja, para dizer para o público se o filme é bom ou não. Esse tipo de crítica eu não gosto muito, porque é mais sobre sinopse e traz poucos elementos técnicos sobre o filme.
Eu sempre trabalhei em uma linha mais reflexiva, procuro entender os mecanismos do filme, o que leva a construção de um determinado tema, a partir dos processo técnicos. Esse tipo de perspectiva só vem quando você assiste muitos filmes, porque você foge da história e passa a trabalhar relações mais amplas estabelecidas no filme a partir dos planos, da montagem, trilha sonora e outras conjunções de elementos que formam um filme. É preciso amadurecer o olhar, então um bom crítico precisa ter muita rodagem, precisa ter visto muita coisa e escrito. Dependendo do que você precisa escrever, é necessário ver o filme mais de uma vez.
- A intertextualidade é um elemento importante para a crítica?
Existe uma frase célebre no nosso meio que diz que "toda a crítica revela mais o crítico do que o filme" e isso é verdade. Você tem que saber se posicionar, revela muito do seu mundo. Se você pegar 20 críticas minhas, você vai reconhecer o meu jeito e a linha de raciocínio que eu sigo e eu acho muito interessante quando se lê uma crítica e ela estabelece paralelos. Você pega um cineasta como o Ceylan por exemplo, que muitas das suas obras estão relacionadas a certos períodos do teatro, então acho legal mostrar para o público que uma coisa no filme, tem reflexo de outra obra.
- Você é um grande estudioso entre a relação do cinema com o teatro e literatura. Como o cinema pegou referências dessas duas artes e como se encontra o cenário atual entre essa relação?
Essa área é a qual eu fiz meu mestrado, doutorado e em que eu trabalho. A relação entre cinema e o teatro está muito presente no começo, na construção da sintaxe e da gramática do cinema. O cinema precisou se inventar e ele pegou muita influencia também da literatura realista do Charlie Dickens.
O processo de montagem do cinema, a intercalação de planos por exemplo, e pensada a partir da literatura e depois, obviamente ele vai se libertando do teatro, da literatura, para ser uma obra própria, para ter sua própria linguagem e construir seu próprio universo.
Hoje eu acho que o cinema está bem distante dessas relações, pelo ao contrário, acho que o cinema é tão predominante no século XX e XXI que a literatura está se inspirando no cinema. Como nós temos um olhar cinematográfico, se você pegar os autores contemporâneos, eles tem uma linguagem mais cinematográfica, mais rápida e cortada, então acho que agora é um processo inverso.
- Muitas vezes ao assistir um filme, não sabemos a intenção do diretor. Os críticos sempre buscam trabalhar com "obras abertas" para apresentar um significado?
Acho que a gente tem que trabalhar com o que está no filme. Muitas vezes você vai assistir um filme de um diretor famoso como o Almodóvar ou Spielberg, o fato de eles serem diretores famosos traz para um filme um peso que às vezes é maior do que até o próprio filme. Você deve olhar para o filme em si, claro que não deve deixar de estabelecer relações dessa obra com as anteriores, mas o que está em jogo é aquilo que está na tela.
A intenção do diretor é aquilo que está no filme, para mim não interessa o que ele venha escrever sobre o filme ou o que tenha tentado dizer, o que interessa é como ele constrói aquela história. Com relação à obra aberta, eu acho que o que é interessante na crítica é pensar que você está criando uma leitura para aquele que está lendo o seu texto, é uma janela nova. Geralmente uma obra é tão aberta, que tem mil possibilidades, então é muito legal a troca de ideias.
- Como ocorreu a fundação da ABRACCINE?
A ABRACCINE é uma associação que foi criada a partir da amizade, do encontro. Em festivais, cabines de cinema, os críticos perceberam a necessidade de se unir para fazer valer as nossas necessidades e mais do que isso, promover um movimento mais crítico. Foi um processo muito interessante e ela está crescendo muito. Ela tem participações de júri em muitos festivais e ela começou agora a editar livros.
Editamos agora o livro "100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos", saiu agora o segundo que traz a trajetória do Jean-Claude Bernardet e outros que ainda estão para sair, sobre documentários. Então é uma associação fundamental, porque ela se posiciona perante o exercício da crítica no Brasil e ela tem âmbito nacional. Em seu pouco tempo de existência, ela tem feito coisas muito importantes.

Para mais informações sobre a ABRACCINE, acesse: https://abraccine.org/
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